Nós entendemos a Amazônia?
- danieltrouche
- 15 de out. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 10 de nov. de 2020
Líder indígena waorani, uma das 100 pessoas mais influentes de 2020 pela revista Time, Nemonte Nenquino diz não esperar que a Terra seja salva, mas que seja respeitada.

Incêndio na Reserva Novo Progresso, Floresta Amazônia (PA), em agosto. Foto: CARL DE SOUZA / AFP
A Floresta Amazônica está localizada em um território que abrange nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. São 5 milhões e meio de quilômetros cobertos pela floresta tropical, sendo 59% da área contida dentro do Brasil. De acordo com a líder da comunidade indígena waorani, Nemonte Nenquino, quanto menos se sabe sobre algo, menor é o valor dado e mais fácil é destruí-lo. Para o nosso azar, o objeto de destruição que a líder se refere é a Amazônia.
No dia 12 de outubro, Nemonte escreveu uma carta endereçada aos presidentes dos nove países e aos líderes mundiais, publicada no El País, por causa dos incêndios. A carta lista uma série de razões de sua escrita, em tom de advertência, motivadas pela exploração do “cowori”, que significa os estranhos em seu idioma, o waotededo. Os estranhos somos nós, homens e mulheres cujo sistema de vida baseada em consumo exerce um dano em sua casa. As razões são: o despejo de petróleo nos rios, a exploração de minérios, sobretudo o ouro, que deixa para trás crateras e toxinas, a invasão de terras e a derrubada de mata virgem para a criação de pastos para o gado e plantações, e a proliferação do coronavírus. “Como povos indígenas, estamos lutando para proteger o que amamos: nossa forma de vida, nossos rios, os animais, nossas florestas, a vida na Terra”.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE), 964 quilômetros quadrados da Amazônia estiveram sobre alerta de desmatamento em setembro. Desde que a detecção passou a ser feita pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), em 2015, apenas em setembro de 2019 o número foi maior, com 1.454 km² de área em alerta. Os estados brasileiros que compõem a Amazônia Legal são o Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocatins. Destes, o estado com o maior alerta foi o Pará, com quase metade da área em alerta. Ainda que o vice-presidente Hamilton Mourão tenha mobilizado as Forças Armadas para combater as queimadas, a postura do Governo Federal não vem ajudando o Brasil a deixar de ser alvo de críticas internas e internacionais em função do desastre na atuação ambiental. A negação de responsabilidade por parte do presidente Jair Bolsonaro, como no discurso que fez na Assembleia Geral da ONU, e mesmo a do ministro do meio ambiente Ricardo Sales com a recente retirada da proteção dos manguezais e restingas para a promoção do turismo, não têm ajudado a aliviar protestos da sociedade civil e também da iniciativa privada.
Nós entendemos a Amazônia? Sim, não, talvez. A pergunta é complicada, mas as imagens dos incêndios nas matas e dos animais carbonizados não deixam dúvidas de que o incêndio permanece e, não importa o quanto o governo negue, parece que a mentira não vem colando. Nemonte Nenquino diz que os índios levaram milhares de anos para conhecer a floresta amazônica e entender os seus segredos, além de aprender a sobreviver e respeitar a floresta, mas os waoranis só conheceram o homem branco há 70 anos, a partir do contato dos missionários evangélicos americanos na década de 50. De lá para cá, o Brasil vem perdendo sistematicamente áreas nativas e as mudanças climáticas decorrentes em secas e estiagens ficaram ainda mais evidenciadas no decorrer deste ano.
Outras cartas e declarações públicas vêm chamando a atenção do Governo, que parece nunca ter uma desculpa plausível. Foram cartas remetidas por embaixadores de oito países, manifestos de líderes da União Europeia, de bancos e empresas cobrando uma ação efetiva e o envolvimento do governo brasileiro na proteção da Amazônia e do Pantanal. E como não lembrar da carta assinada pelos ex-ministros do Meio Ambiente Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Marina Silva, Ruens Ricupero, José Carlos Carvalho, Izabella Teixeira Sarney Filho e José Goldemberg, afirmando que a sustentabilidade está sendo comprometida de forma irreversível pelos excessos e omissões do Poder Executivo Federal.
Com tudo isto, nos cabe uma reflexão sincera; neste ensejo voltamos à carta de Nemonte Nenquino quando ela afirma que os governos dizem estar buscando urgentemente soluções climáticas, mas continuam construindo uma economia mundial extrativista e poluidora. Deve-se ressaltar que a lógica devastadora não é apenas do governo brasileiro. Embora o governo Bolsonaro seja declaradamente insensível às causas ambientais, todas as nações desenvolvidas e em desenvolvimento cuja proposta de crescimento econômico passa por cima da preservação e da ameaça do aquecimento global, negando o meio ambiente como agente sensível e fundamental para a manutenção do equilíbrio dos biomas e da climatologia global, também são inimigos da vida em certo sentido. “Nunca tive a oportunidade de ir à universidade e me tornar médica, advogada, política ou cientista. Meus “pikenani” (autoridades tradicionais, anciãos sábios) são meus mestres. A floresta é minha professora. E aprendi o suficiente (e falo de mãos dadas com meus irmãos e irmãs indígenas do mundo todo) para saber que vocês perderam o rumo, que têm um problema (embora ainda não o entendam completamente) e que seu problema é uma ameaça para toda forma de vida na Terra”, aponta um trecho da carta.
Estamos em outubro de 2020. Enfrentamos a pior pandemia do último século, o aquecimento global, a queima de florestas e a extinção de espécies, e na mesma esteira problemática, vivemos em uma das mais graves crises econômicas de todos os tempos. Portanto, será mesmo que destruir o nosso meio ambiente para fazer a economia girar está adiantando? Será que não tem nada errado neste modo de vida construído a base de extração, manufatura e comercialização de insumos sem o cuidado necessário com as florestas e muito menos com os povos nativos?
Sinceramente, sinto que não entendemos a Amazônia e nem a nós mesmos.
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